Leonardo Sakamoto
09/08/2010 - 0:11 (http://blogdosakamoto.uol.com.br)
O jornal Folha de S. Paulo realizou um levantamento que apontou que 57% do total de recursos investidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social desde 2008 (uma bagatela de R$ 168 bilhões) foram para 12 empresas, entre elas Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht, Vale, Votorantim, JBS, Petrobras, Eletrobrás, Alcoa.
Além da discussão sobre a necessidade de entregar dinheiro público com juros baixos na mão dos que conseguiriam se capitalizar no mercado privado de crédito, há também o debate sobre os impactos sociais e ambientais causados pela operação desses grupos. Afinal, lendo a lista disponível no site da reportagem, verifica-se a existência de várias iniciativas acusadas de causar problemas. Um exemplo é a Hidrelétrica de Estreito (Alcoa e Camargo Corrêa, entre outros), cuja construção está desalojando centenas de pessoas entre o Maranhão e o Tocantins, expulsas de suas terras, com dificuldades para receberem a devida indenização e sem um programa decente de realocação.
O BNDES, é claro, conta com alguns critérios de empréstimo e os têm colocado em prática. Contudo, sua amplitude ainda está distante de garantir que o dinheiro público concedido não esteja na origem de dores de cabeça para a população pobre, principalmente em regiões de fronteira, feito a Amazônia. Se recursos públicos devem ser empregados para o bem público, que raios estão fazendo com meus impostos? A indagação é simplista. Tão simples quanto nossa tolerância com o estado das coisas. Agora, o gatilho da tristeza é se o dano for causado com a anuência, o apoio ou o planejamento do Estado. Aí, só nos resta cantar que “este é um país que vai pra frente” ou tocar um tango argentino.
O roubo de terras, de força de trabalho e de recursos naturais, adotado como instrumento de capitalização, foi usado em larga escala na Amazônia para a implantação de empreendimentos durante o período da ditadura militar, seguindo a toada até os dias de hoje. E não foi devido a uma suposta ausência estatal que a exploração da terra e de seu povo teve condições de se desenvolver, pelo contrário, é a ação direta de um Estado cúmplice ou conivente que permite e incentiva o laissez-faire no campo. Historicamente, esses empreendimentos têm conseguido recursos por intermédio das esferas de governos federal, estaduais e municipais para garantir um nível de capital constante que facilite a sua atuação no mercado. As placas de financiamento de bancos e agências federais de fomento, expostas aqui e ali na porteira das fazendas, em frente a obras de hidrelétricas, no pátio de frigoríficos, provam que o Estado se faz presente na fronteira agrícola para o capital, através de incentivos fiscais, isenção de impostos, taxas e subsídios e infra-estrutura, e que há uma política pública apoiando aquelas práticas.
Além disso, deve-se considerar que a produção originada de empreendimentos que pilham o meio ambiente, o trabalho e as populações tradicionais contribui com o aumento da oferta geral dos produtos. E de uma maneira mais rápida que o normal, uma vez que estes têm seu tempo de implantação e desenvolvimento encurtados ao passar por cima das regras do jogo. Mais produtos, preços mais baixos. Na outra ponta, há uma pressão de “mais por menos” vinda da indústria e do comércio. Afinal, baratear a matéria-prima e a alimentação para a força de trabalho ajuda a aumentar os ganhos.
O problema não é de um capitalismo desvirtuado, mas sim da natureza do próprio capitalismo, que faz conviver, em seu seio, elementos antigos e novos, como escravos e assalariados, de forma complementar, sempre que isso lhe trouxer um ganho. O Velho Barbudo (o outro, também vermelho, mas que não tinha renas) afirmava que o “morto apodera-se do vivo”. Com base no que estamos vendo até aqui, com a manutenção de antigas práticas usadas para passar por cima de tudo e de todos, constata-se que não são apenas as velhas formas que se inserem nas novas, mas as novas recorrem às velhas sempre que necessário. Às vezes, com a benção do Estado.
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LINDA VOZ COM ÓTIMO TEXTO - Em 2005, Elisa Lucinda escreveu poema-protesto, que é recitado, em parte, por Ana Carolina (acima). O texto completo do 'manifesto' está disponível na Internet.
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