O parecer dado pelo antigo relator do projeto de lei que prevê anistia penal e benefícios fiscais à repatriação de ativos não declarados e enviados ilegalmente para fora do país promete acirrar de vez a polêmica em torno da proposta. O texto foi apresentado por Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), licenciado desde que assumiu o cargo de ministro da Previdência, e amplia o rol de possíveis anistiados pelo projeto.
O parecer de Alves foi lido na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado em 14 de dezembro, mas não foi votado porque houve pedido de vista coletiva, para ser mais bem analisado pelos senadores. Agora, o senador Delcídio Amaral (PT-MS), presidente da CAE e autor do projeto de lei, chamado de "Cidadania Fiscal", prevê que a proposta será aprovada no Senado e enviada à Câmara dos Deputados até o fim deste semestre.
Como presidente da CAE, Delcídio Amaral terá de designar novo relator para o projeto, já que Alves, reeleito, está licenciado desde que assumiu o Ministério da Previdência. O novo relator deverá ser da base governista, para evitar que uma nova negociação seja necessária. Em tese, um novo relator poderia começar do zero a examinar o projeto. Mas a intenção de Delcídio é tentar manter o parecer de Alves, que foi negociado por ele com o governo durante dois anos.
A possibilidade de anistia à repatriação de ativos provoca polêmica desde que começou a ser discutida, em 2005, quando o deputado José Mentor (PT-SP) propôs projeto semelhante na Câmara dos Deputados. O parecer de Alves aumenta ainda mais a temperatura da discussão ao ampliar o rol de possíveis anistiados pelo projeto.
Pela proposta original de Delcídio Amaral, quem repatriar recursos provenientes de crimes contra a ordem tributária, contra o sistema financeiro nacional, contra a Previdência Social ou do crime de descaminho tem direito à anistia penal e à redução de alíquotas de Imposto de Renda de 27,5% para 5%, sem multa ou juros. Se o bem não for repatriado, mas apenas declarado, o percentual será de 10%.
A proposta de Alves retira do texto do projeto o rol de crimes sujeitos à anistia e acrescenta a ele um parágrafo a mais, que prevê que os benefícios da lei alcançam o patrimônio da pessoa física ou jurídica, "independentemente da classificação dos bens e direitos, de sua localização, de sua condição jurídica, da nacionalidade da fonte, da origem e da forma de sua percepção".
Uma fonte que acompanha a tramitação da proposta, mas que preferiu não se identificar, disse ao Valor que, se o artigo for aprovado, "todas as pessoas que respondem atualmente a inquéritos e processos criminais por manterem dinheiro fora do país seriam automaticamente anistiadas e esses processos seriam arquivados". Isso inclui os investigados por uma parcela considerável de operações da Polícia Federal nos últimos anos - como os envolvidos nas operações Suíça e Kaspar, que apuraram esquemas de evasão de divisas e lavagem de dinheiro montados por representações de bancos suíços no Brasil em conjunto com doleiros. "O artigo acaba com qualquer conversa de bom senso sobre esse projeto", diz a mesma fonte, para quem a proposta "legaliza a lavagem de dinheiro no Brasil".
A aprovação da proposta é uma das prioridades do presidente da CAE, que foi reeleito e assumiu o comando da comissão em fevereiro, por indicação do seu partido. Senadores afirmam haver interesse do empresariado na aprovação do projeto. "Os empresários estão agindo, mas trata-se de um lobby sutil", define um governista. O site "Repatriar.com.br" é um exemplo. Elaborado com a participação do escritório de advocacia Leite, Tosto e Barros Advogados - que atua na defesa do deputado Paulo Maluf (PP-SP), entre outros políticos -, o site apresenta as propostas em trâmite no Congresso e textos sobre iniciativas semelhantes em outros países.
Segundo Maurício Leite, sócio do escritório, o projeto, se aprovado, trará grandes benefícios, pois aumentará a base de arrecadação do país. Estima-se que haja de US$ 50 bilhões a US$ 100 bilhões mantidos fora do país por meio da evasão de divisas. Alguns, no entanto, acreditam que o valor é bem maior e chegam a calcular mais de US$ 200 bilhões não declarados.
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